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terça-feira, 18 de setembro de 2018

O caçador de sonhos / por O.Heinze

Sobre os mastros invisíveis de meu barco
faço velames de mil folhas de livros e parto
deixando para trás a carne, a veste, a sorte,
o barulho, o aceno ao vento de flores amigas
Morro para esse mundo pesado e calo,
pois só minha alma canta.
Incrivelmente os pássaros
continuam a voar ao largo
são seres que conseguem estar
em duas dimensões ao mesmo tempo...
Minhas velas brancas crescem
a cada página virada e vou mais além...
A única falta que me acomete é do beijo
de sua água santificada
que nivela os seres
Por certo todos morrem afogados
desse liquido gratuito
que carrega o amor mais doce
e a saudade mais amarga.
E já longe desse porto inseguro chamado chão
vou com meu barco de letras
querendo alcançar a senhora poesia
para possuí-la por meus olhos
e, enfim, retornar vivo...





quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Para onde vão as flores mortas / por O.Heinze

















Bem sei da morte da flor:
quanto suas cores descolorem;
caem as pétalas uma a uma;
espalha o pólen ao vento;
seu caule fica vazio.

Mas o que aguça minha curiosidade é:
para onde vai sua essência,
essa força de inebriante fragrância,
que em respirando quase prevejo
o verdadeiro formato da flor?!

Não esse corriqueiro, tão já sabido,
mas essa forma indizível de luz,
que mora nos confins do desconhecido
e me é lenitivo para a alma,
fazendo-me crer que o bem existe.

Que poder é esse, flor abençoada,
que ao cheira-la me roubas daqui,
mantendo-me voando leve, livre,
pois que teu existir corre docemente
por meus pulmões, coração e mente,
quase me revelando o mundo
aonde vive essa tua alma
de plenitude e eternidade.

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Crisálida/ por O.Heinze






fotografia de O.Heinze 
Resedás em meu quintal









Todas as noites
uma força chamada sono
me envolve e me desfalece.
E indefeso, sinto-me numa metamorfose
ficando alheio à tudo deste mundo.
E dentro deste tipo de crisálida
viajo para tantos lugares
a uma velocidade inimaginável.
Encontro pessoas e bichos;
mar, rio, neve, fogo;
caminhos improváveis, espaço;
morro sem morrer, choro;
vivo sem viver, gargalho...
Igual se fosse um lepidóptero, voo
ou sem um chão, despenco em abismo.
Num sobressalto, meio aqui, meio lá
caio em meu leito assustado...
Depois de um tempo volto a sonhar
ou ter pesadelos dos mais bizarros.
Pela manhã desperto neste mundo
vou me desamarrotando lentamente
mas não sendo contemplado
sigo assim: humano sem asas...
Visto uma cor própria para o dia.
São raras as flores em meu caminho
na maior parte, ervas daninhas
sem perfume, cor, simpatia.
Pobre jardim miserável este
tanta Terra e tão pouca doçura.
Por isso é raro uma borboleta
pousar em um ser humano:
nos falta iluminar a aura
desabrochar livremente
se doar por amor
e despetalar feliz...